Hematúria – Sangue na urina: sempre precisa investigar?

A presença de sangue na urina, sem dúvida, é motivo de preocupação de muitos pacientes que procuram o consultório.
Neste texto, vou esclarecer a respeito dessa alteração muito comum, além de orientar sobre as possíveis causas, como investigar e tratar adequadamente.
Uma das principais diretrizes adotadas mundialmente na investigação desse sintoma é o guideline da American Urological Association (AUA), o qual utilizo na minha prática como urologista.
O que é hematúria ?
A presença de sangue na urina é conhecida como hematúria .
A hematúria pode ser dividida em “macroscópica”, quando a urina tem aspecto avermelhado ou alaranjado a olho nu; e “microscópica”, quando o aspecto da urina é o habitual, porém o exame de urina constata a presença de sangue.
A hematúria microscópica pode ser definida como a presença de 3 ou mais hemácias por campo de grande aumento visualizado no microscópio ou valor acima de 10.000 hemácias/ml (referência da maioria dos laboratórios).
Hematúria é um sintoma comum?
Mais de 20% dos pacientes que procuram o urologista apresentam hematúria , macroscópica ou microscópica, em algum momento da vida.
A hematúria microscópica de grau leve pode acontecer em pessoas saudáveis, sem nenhuma doença.
Estudos envolvendo a coleta de urina em pessoas saudáveis mostraram a presença de hematúria microscópica em 2,4% a 31,1% dos indivíduos, dependendo da população estudada.
Isso significa que a presença de sangue na urina pode não ser causada por uma doença específica.
Por que a hematúria deve ser investigada?
Estima-se que 3% dos pacientes com hematúria microscópica e 17% dos pacientes com hematúria macroscópica apresentam câncer de rim, ureter ou bexiga na investigação.
Esse é o principal motivo pelo qual se recomenda investigar todos os pacientes que apresentam hematúria .
O diagnóstico precoce e correto permite oferecer um tratamento apropriado à causa da hematúria do paciente.
Quais são as possíveis causas da hematúria ?
A hematúria pode ser um sintoma de diversas doenças urológicas. As principais causas podem ser classificadas em 7 tipos:
1) Neoplasia: câncer de bexiga, pelve renal, ureter, rim, próstata ou uretra
2) Infecção/inflamação: cistite (infecção na bexiga), pielonefrite (infecção renal), uretrite, tuberculose, esquistossomose, cistite hemorrágica (inflamação difusa da bexiga)
3) Cálculo: renal, ureteral ou vesical (na bexiga)
4) Próstata: hiperplasia prostática benigna (aumento do volume da próstata)
5) Doença renal: nefrite (inflamação renal)
6) Anomalia anatômica congênita ou adquirida: doença renal policística, estenose da junção ureteropiélica (JUP), estenose ureteral, divertículo de uretra (mais comum em mulheres), fístula (comunicação) da bexiga com a vagina ou intestino
7) Outras causas: endometriose, doença hematológica ou uso de anticoagulantes, malformação vascular, trombose da veia renal, cistite intersticial, trauma, cirurgia urológica recente, exercício físico intenso
Quais fatores podem estar relacionados às causas neoplásicas?
O motivo principal da investigação de hematúria é identificar ou descartar a presença de neoplasia maligna do trato urinário.
Por essa razão, identificamos pacientes com fatores de risco relacionados ao aparecimento de câncer urológico e investigamos prontamente.
Os principais fatores de risco são:
✔ Sexo masculino
✔ Idade: homem acima de 40 anos e mulher acima de 50 anos
✔ Tabagismo atual ou prévio: é o fator de risco mais importante
✔ Grau de hematúria no exame de urina
✔ Hematúria macroscópica
✔ Hematúria microscópica persistente, isto é, presente em vários exames ao longo do tempo
✔ ️ Sintomas associados: dor, idas frequentes ao banheiro, incontinência, urgência miccional etc.
✔ Radioterapia pélvica prévia
✔ Quimioterapia prévia com agentes como ciclofosfamida e ifosfamida
✔ Exposição ocupacional a benzidina ou amina aromática, que são substâncias utilizadas na indústria de borracha, petroquímica e tintura
✔ Uso crônico de dispositivos intravesicais como sonda vesical
Como se deve investigar a hematúria ?
Os exames disponíveis para investigação diagnóstica incluem ultrassonografia das vias urinárias, tomografia computadorizada de abdome total (urotomografia), ressonância magnética de abdome total (urorressonância), cistoscopia e ureterorrenoscopia flexível.
1) Ultrassonografia das vias urinárias
A ultrassonografia das vias urinárias é um exame não invasivo que permite avaliar os rins e a bexiga, principalmente. O exame permite identificar cálculo renal, cálculo vesical, hiperplasia da próstata, além de câncer de rim ou bexiga. A avaliação ultrassonográfica é dependente da experiência do médico que faz o exame e tem limitações na análise do ureter.
É um exame que pode ser utilizado na investigação diagnóstica de paciente com baixo risco de ter neoplasia do trato urinário.
2) Tomografia computadorizada / Ressonância nuclear magnética
A tomografia computadorizada com contraste endovenoso, também conhecida como Urotomografia, é o exame mais apropriado para avaliar um paciente com hematúria. A urotomografia permite identificar com maior acurácia doenças que acometem o rim, o ureter e a bexiga.
A urotomografia apresenta 4 fases distintas registradas antes e após a injeção do contraste endovenoso: fase sem contraste, fase córtico-medular ou arterial, fase parenquimatosa ou nefrográfica e fase tardia ou excretora. A fase sem contraste é utilizada para identificar cálculo renal ou ureteral. A fase arterial e a fase nefrográfica permitem identificar nódulos renais e malformações vasculares. Por último, a fase excretora é essencial para identificar as doenças que acometem o ureter e a bexiga.
Se o paciente apresenta alergia ao contraste iodado ou possui insuficiência renal crônica, a urotomografia pode ser substituída por uma ressonância magnética de abdome total (urorressonância), com a desvantagem de a ressonância ser inferior à tomografia para identificar cálculos urinários.
3) Cistoscopia / Ureterorrenoscopia
A grande limitação da tomografia e da ressonância é a dificuldade de identificar lesões muito pequenas na bexiga e no ureter. Tumores de bexiga, pelve renal e ureter de dimensões milimétricas podem não ser visualizados na tomografia e na ressonância. Nesses casos, a visualização direta de toda a superfície interna da bexiga, por meio da cistoscopia, é o exame mais indicado para investigação diagnóstica.
A desvantagem desse procedimento é a sua natureza mais invasiva e necessidade de sedação para a realização do exame. Por outro lado, a grande vantagem é permitir a realização da biópsia diagnóstica.
Caso haja suspeita de espessamento no ureter ou na pelve renal, é possível realizar ureterorrenoscopia flexível, que nada mais é do que a introdução de um instrumento fino com uma câmera acoplada em sua ponta que permite a visualização direta da área suspeita e, se necessário, a realização de uma biópsia.
Qual o tratamento da hematúria ?
O tratamento depende da causa que levou à hematúria . Causas neoplásicas, cálculo urinário e hiperplasia da próstata podem necessitar de tratamento cirúrgico e, por isso, precisam de avaliação detalhada com urologista experiente. Se desejar saber mais a respeito das três principais causas de hematúria, clique no link abaixo:
Mensagem muito importante
Todo episódio de hematúria necessita de uma atenção especial do seu urologista. Recomenda-se fortemente a investigação adequada com o objetivo de descartar a presença de doenças mais sérias, principalmente câncer de rim, ureter e bexiga.
Vale lembrar que os sangramentos relacionados aos tumores tendem a ser autolimitados, ou seja, cessam espontaneamente após alguns dias. Por isso, não podemos assumir que o sangramento é devido a infecção urinária antes de realizar uma investigação apropriada com exames de imagem e cistoscopia.
Não investigar adequadamente um quadro de hematúria pode retardar o diagnóstico e o tratamento de doenças potencialmente graves. Se não ficar satisfeito com a explicação do seu médico, procure uma segunda opinião. A sua saúde sempre deve ser a prioridade!
Referência:
Oyaert MN, Speeckaert MM, Delanghe JR. Microhematuria: AUA/SUFU Guideline. Letter. J Urol. 2021 Jun;205(6):1848-1849.
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