Infecção urinária recorrente, como tratar?

Muitas mulheres se queixam de infecção urinária de repetição. O que, sem dúvida, é motivo de preocupação e aborrecimento. Por isso, escrevi essa matéria para explicar o que é uma infecção urinária de repetição, quais fatores podem aumentar o seu risco e os tratamentos e prevenção disponíveis.
Infecção urinária recorrente
1) Tenho infecção toda hora, por quê?
Essa situação pode ser uma infecção urinária não resolvida ou uma infecção de repetição.
A infecção urinária não resolvida ocorre quando, apesar de tomar medicamento, o quadro não melhora e um novo exame de urina mostra novamente a presença de infecção. Essa situação caracteriza o que chamamos de persistência da infecção, ou seja, não conseguimos eliminar a bactéria responsável pela infecção atual. Nesse caso, é preciso investigar o motivo e instituir um tratamento adequado para a completa resolução desse episódio de infecção do trato urinário (ITU).
A infecção de repetição ocorre quando o paciente melhora completamente dos sintomas urinários e, depois de um período, apresenta um novo quadro de ITU.
A infecção urinária de repetição pode ser definida como ≥ 2 episódios de ITU em 6 meses ou ≥ 3 episódios durante o ano.
A resolução ou o controle dos fatores de risco que contribuem para o desenvolvimento de ITU é uma parte primordial no tratamento de infecção urinária de repetição. Por isso, o médico urologista deve pesquisar os fatores predisponentes para ITU listados abaixo.
A) Fatores relacionados ao paciente:
- Idade avançada
- Anormalidade anatômica
- Desnutrição
- Obesidade
- Tabagismo
- Uso crônico de corticoide
- Imunodeficiência
- Dispositivo ou cateter infectado (sonda vesical ou cateter duplo J)
- Infecção coexistente em outro sítio anatômico
- Hospitalização prolongada
B) Fatores de risco adicionais que:
B- 1) Reduzem o fluxo urinário:
- Obstrução do fluxo urinário: hiperplasia da próstata, câncer de próstata, estenose de uretra, cálculo vesical
- Bexiga neurogênica
- Pouca ingesta de líquido (ou desidratação)
B- 2) Facilitam a colonização bacteriana:
- Atividade sexual
- Uso de espermicida
- Redução do estrógeno (menopausa)
- Uso recorrente de antibiótico
B- 3) Facilitam a ascensão da bactéria:
- Cateterização (passagem de sonda na bexiga)
- Incontinência urinária
- Incontinência fecal
- Uso de fralda
- Urina residual na bexiga
2) Tomei antibiótico, mas não melhorei nada, e agora?
Se mesmo após tomar o medicamento adequadamente você não melhora do quadro, isso pode caracterizar uma ITU não resolvida. Nesse caso, é essencial coletar urocultura para confirmar a ITU e orientar a antibioticoterapia correta com base no resultado do antibiograma.
Outra hipótese é que os sintomas podem não ser causados pela ITU, mas, sim, por outras doenças que apresentam sintomas parecidos. Por isso, se a urocultura for negativa, é necessário realizar investigação adicional para excluir outras causas que simulam os sintomas de ITU.
Caso a urocultura mostre novamente a bactéria, devemos pesquisar algumas hipóteses:
- Resistência ao antibiótico utilizado
- Presença de 2 bactérias com susceptibilidades diferentes ao antibiótico prescrito, ou seja, o medicamento prescrito eliminou somente uma das bactérias
- Reinfecção rápida com bactéria resistente durante o tratamento
- Cálculo renal volumoso (coraliforme)
- Tratamento inadequado (período insuficiente ou medicamento não apropriado)
3) Tomei o medicamento e melhorei, mas, depois de um tempo, os sintomas voltaram, o que pode ser?
Embora não seja fácil distinguir, existem duas possibilidades para essa situação: a “infecção persistente” e a “re-infecção”.
Geralmente, a “infecção persistente” é causada por uma bactéria que, de alguma forma, não foi eliminada completamente. Já na “re-infecção”, o tratamento eliminou completamente a bactéria que causou a ITU, mas ocorreu uma nova infecção por uma bactéria que ascendeu à bexiga.
Não é uma regra, mas, se os episódios distintos de ITU foram causados por bactérias de espécies diferentes, o quadro é mais sugestivo de um episódio de “re-infecção”. Mas, caso sempre a mesma bactéria seja responsável por episódios diferentes de ITU, devemos suspeitar de “infecção persistente” e investigar as possíveis causas.
Conheça algumas doenças que podem contribuir para a persistência de bactérias no trato urinário e que podem ser corrigidas com o tratamento urológico:
- Cálculo renal ou vesical (principalmente se cálculo relacionado à infecção)
- Prostatite bacteriana crônica
- Rim atrófico infectado
- Duplicidade ureteral e ureter ectópico
- Corpo estranho
- Divertículo de uretra
- Rim esponjoso medular
- Coto ureteral após nefrectomia (quando o rim foi retirado em uma cirurgia, mas o ureter não.)
- Cisto de úraco infectado
- Cisto renal infectado que se comunica com o cálice renal
- Abscesso perivesical com fístula para a bexiga (diverticulite prévia, por exemplo)
4) Eu tenho infecção de repetição. O que devo fazer?
Inicialmente, é preciso seguir os próximos 4 passos para investigar e tratar adequadamente o episódio de ITU:
A) Identificar os fatores relacionados ao paciente que aumentam o risco de ITU (item 1-A desta matéria)
B) Identificar fatores de risco para desenvolver ITU (item 1-B desta matéria)
C) Iniciar tratamento com medicamento de acordo com resultado da urocultura e por um período adequado de tempo (item 12 da matéria publicada no blog)
D) Identificar e tratar doenças que podem causar persistência de bactéria no trato urinário (item 3 desta matéria)
Se, mesmo após a correção e/ou resolução dos fatores de risco relacionados a ITU, o tratamento adequado e a exclusão das doenças que causam persistência bacteriana, você continuar com ITU de repetição, deve ser instituído tratamento e orientação para reduzir a frequência das ITUs.
Existem modalidades terapêuticas com antibioticoterapia e/ou outros medicamentos que não são antibióticos.
4- A) Tratamento/Profilaxia envolvendo antibioticoterapia
A- 1) Profilaxia com baixa dose de antibiótico
É o tratamento mais eficaz para reduzir a incidência de ITU de repetição. Caso a profilaxia sem antibioticoterapia não seja eficaz, este tratamento deve ser recomendado.
Utilizamos uma dose diária baixa de antibiótico para reduzir a incidência de colonização/infecção. Podem ser utilizados antibióticos como nitrofurantoína/macrodantina, cefalexina, norfloxacino ou sulfametoxazol/trimetoprima para esse objetivo.
O tratamento pode ser realizado de 3 a 12 meses, dependendo da necessidade individual de cada paciente. Regularmente trocamos de classe de antibiótico durante o tratamento prolongado para reduzir o risco de desenvolvimento de resistência ao antibiótico.
A- 2) Tratamento intermitente iniciado pelo paciente
Caso o paciente apresente poucos episódios durante o ano e tenha facilidade em identificar os sintomas associados à ITU, esse pode ser um tratamento eficaz. É importante recordar que só utilizaremos esse tipo de tratamento após a exclusão de todos os fatores que podem contribuir para a ITU de repetição.
Nessa modalidade, o paciente colhe a urocultura e, na sequência, inicia 3 dias de antibioticoterapia, caso apresente sintomas de ITU. Pode ser necessário complementar o tratamento, se o resultado da urocultura demonstrar resistência bacteriana.
É importante ressaltar que essa modalidade de tratamento só deve ser realizada juntamente com o seu urologista experiente, e após excluir outras doenças cujos sintomas podem simular uma infecção urinária, como, por exemplo, câncer de bexiga.
A- 3) Profilaxia pós-atividade sexual
Se você nota que o episódio de ITU ocorre após a atividade sexual, pode ser recomendada uma dose única de antibiótico via oral para reduzir a chance de ter infecção urinária após o ato sexual.
4- B) Profilaxia sem antibioticoterapia
B-1) Comportamental
Atividade sexual recente e uso de espermicida são fatores de risco conhecidos que contribuem para o desenvolvimento de ITU. Se você utiliza espermicida, converse com seu ginecologista para substituir o método anticoncepcional.
Embora os estudos não tenham demonstrado benefício claro da mudança comportamental, algumas orientações relacionadas ao hábito miccional e à higiene pessoal podem ser benéficas. Evite segurar a urina por muito tempo, tente urinar antes e após a atividade sexual, esvazie a bexiga durante o seu ciclo de sono. No momento da higiene pessoal, limpe a região da frente para trás, evite uso de duchas ou tampão, dê preferência a roupas íntimas de algodão ao invés de tecidos sintéticos.
B- 2) Dieta
Hidrate-se bem para manter um bom volume e jato de urina. Os estudos não recomendam o uso de vitamina C como uma forma de prevenir infecção urinária, mas tenha uma alimentação balanceada.
Embora controverso, alguns estudos mostraram que o composto proantocianidina presente no cranberry pode ajudar na profilaxia da ITU, dificultando a aderência da bactéria à bexiga. Existem diversas dosagens disponíveis no mercado, mas os estudos com 36mg e 72mg de proantocianidina mostraram potenciais benefícios. No entanto, essa modalidade foi inferior ao uso de antibiótico na prevenção de ITU. Por isso, se esse método não reduzir a incidência, não insista nessa opção.
Os estudos científicos não mostraram benefício do uso de probiótico na prevenção de ITU.
B- 3) Suplementos
Alguns estudos envolvendo D-manose, que inibe a adesão da bactéria na bexiga, e hipurato de metenamina, que dificulta a multiplicação das bactérias, mostraram potencial benefício nos pacientes com ITU de repetição, mas ainda necessitam de estudos detalhados para comprovar a sua eficácia.
B- 4) Reposição de estrógeno tópico
Especificamente para mulheres na menopausa, a redução do estrógeno provoca alterações na bexiga e na flora vaginal que contribuem para a ocorrência de ITU de repetição. Nesse caso, pode ser recomendada a reposição tópica de estrógeno na tentativa de reduzir a incidência de ITU. Pomada ou anel intravaginal de estradiol podem ser utilizados sem os efeitos colaterais que a reposição hormonal sistêmica pode provocar.
B- 5) Vacina
A Uro-vaxom, uma vacina formada por estruturas isoladas da membrana celular de 18 subtipos diferentes da bactéria Escherichia coli, que é o microrganismo mais frequente nos quadros de ITU, pode ajudar a ativar o sistema imune contra infecções urinárias, contribuindo para a profilaxia de ITU de repetição.
Referências:
- Anger J, Lee U, Ackerman AL, et al. Recurrent Uncomplicated Urinary Tract Infections in Women: AUA/CUA/SUFU Guideline. J Urol. 2019;202(2):282-289.
- Sihra N, Goodman A, Zakri R, Sahai A, Malde S. Nonantibiotic prevention and management of recurrent urinary tract infection. Nat Rev Urol. 2018;15(12):750-776.
- Kwok M, McGeorge S, Mayer-Coverdale J, et al. Guideline of guidelines: management of recurrent urinary tract infections in women. BJU Int. 2022;130 Suppl 3(Suppl 3):11-22.
Deixe um comentário
Não deixe de aprender
Mais artigos que podem interessar
